#03 Crônica: Quando um dia eu decidir dançar.

Parangolés, de Helio Oiticica.

Eu não sei dançar. Na verdade, eu não sei se eu sei dançar. Faz um tempo já que venho pensando nisso. Eu nem lembro a última vez que dancei em público, que levantei da cadeira, pus os pés no chão e suei. Eu danço, sim, no banheiro e nas madrugadas que fico acordado na cozinha. Eu danço bem tarde da noite, que é para ter certeza que o mundo inteiro está dormindo e que ninguém vai me ver dançar. Eu danço sozinho, tomando cuidado para não escutarem meus passos tilintando na cerâmica branca, às vezes encardida.

Eu não tinha vergonha de dançar em público… Até o dia em que eu resolvi dançar e me tornar o motivo dos risos das pessoas que me observavam. Era engraçado ver o “viado” dançando, como se eu fosse uma atração de circo, a mais divertida de todas. Eu murchei e, aparentemente, meus pés também. Para além das quadrilhas, para além dos desfiles de sete de Setembro, para além das festinhas infantis e adultas, eu estava para muito além disso.

Quando um dia eu decidir dançar, eu não quero me importar com as pessoas que me observarem. Eu quero levantar os braços, eu quero suar até desidratar, eu quero sentir o chão tremer e ver o mundo acabar, eu quero gritar com o meu coração, eu quero acabar de pernas bambas e me deitar no chão. Eu quero rodopiar, como uma bailarina desgovernada, que rodou e rodou e sumiu no buraco que ela mesma cavou.

Então, por favor, quando um dia eu decidir dançar, quero que você sorria para mim e não de mim, eu quero que você dance comigo, eu quero que você me olhe nos olhos, ou não. Eu quero ser tudo e mais um pouco, eu quero fazer você brilhar. Eu quero ver você fechar os olhos e sentir tocar no rosto os restos de mim que cairão ali como confetes, como chuva.

Eu não sei dançar.

Mas se ninguém ligar para isso, pode até ser que eu queira tentar.